Surfe deluxe

Um mundo encantado de plástico

Rei da piscina

Quintal de casa

4.6.10

Quintal de casa*

A pálpebra pesa pela festinha da véspera, mas é sábado, dia de surfe no quintal. Boto o short de pano colorido ainda úmido da caída da véspera, tomo o Nescau numa só golada, cato uma mão de biscoito Maizena e pego minha Hidrojets amarela limão reluzente, que tem um inconfundível cheiro de fibra e pequenas bolhas de sal roubadas do mar.

Short no corpo e prancha na mão, é hora de alcançar o paralelepípedo da Sambaíba, amaciado pelo tempo. As pedras – como as do mar – têm pontas arredondadas. Aos 13 anos, piso sem medo, com passadas ligeiras para reduzir a distância entre meu quarto e meu quintal, a Praia do Leblon. Flutuo pelos degraus, de três em três, na escada que chega ao Baixo. Na rua do canal, o cheiro de maresia é o doping que faltava: num último pique, alcanço o calçadão.

Aquela praia abandonada, freqüentada apenas por alguns poucos moradores do bairro, é o meu quintal, onde eu me reconheço como gente. A ondulação escorre de Leste na areia, levantando pequenas esquerdas na bancada fofa. Piso nos grãos ainda gelados das 6h da matina, e avanço contra o sol até chegar ao pico, em frente ao Posto 12.

Na água, antes das ondas, respiro o odor de esgoto – o único veneno naquele paraíso. Micoses pela pele e amigos com hepatite denunciam a intolerável condição de banho. Mas, para um adolescente nascido naquele quintal, a condição dada é a condição vivida, aceita. Como o garoto que, na falta de um campo gramado para bater uma bola, joga descalço num lixão.

Os locais são os maiores ídolos – Coquinho, Pixote e especialmente Ricardinho. Não me lembro de ter visto Ricardinho em alguma competição, mas, para mim, ele é o cara. Os anos de ginástica olímpica lhe deram a flexibilidade para se entortar em drops magnéticos e passear por dentro de ondas ocas que nós, moleques mortais, nem remamos.
A molecada já tenta disputar o pico. Xandi, Júnior, Lúcio, Alica, Tiquinho, Minan, Merreca e uma pá de outros moleques remam de um lado para o outro, atrás das sobras. Tem também uma galera mais cascuda: Alfredo, Rivaldo, Esquilo, Brabão. E o excêntrico Gel.

Volto para casa, depois de quatro horas na água. Arroz, feijão e, depois, o embalo de uma sesta. Acordo aos 37 anos, pronto para mais uma caída.

A pálpebra ainda pesa pelo sono curto provocado pela noite mal dormida das filhas. Boto um short de tactel ressecado pelas semanas sem surfe, cato a mesma mão de Maizena, tomo um copão de mate e pego minha Joca Secco modelo fish, para aguentar a falta de ritmo de remada. A prancha, de tanto tempo sem ver água salgada, nem gordura de maresia tem.

O caminho entre a casa e o quintal é um pouco maior. Boto a Joca no rack da bicicleta, calço as Havaianas e desço a ladeira com a mão colada no freio para não perder o controle da velha Giant. Mas quero chegar o mais rápido que eu puder ao quintal dos tempos de moleque. Cada minuto ali, agora, tem o valor de uma eternidade.

É um sábado de sol, é fim de tarde. A praia não está mais vazia. Virou a faixa de areia preferida pela molecada formadora de opinião. Princesas e garotões se espalham pela areia. O Leblon, antes um recanto familiar esquecido no fim de uma linha de ônibus, virou um Principado de Montecarlo tupiniquim, com desfile diário de celebridades e água mineral a mais de R$ 4.

Consegui ficar por já morar lá há décadas, desde os tempos do velho bairro de classe média remediada, quando os novos ricos ainda não inflacionavam o mercado em busca de status.

Mas o velho quintal ainda está lá. As ondas estão um pouco diferentes, por causa dos sucessivos aterros de areia para conter a violência das ressacas de Sul. Mas, hoje, linhas suaves de direita lambem a pedra do Pontão e escorrem até a areia. A velha Disneylândia.

Os ídolos da molecada agora têm um currículo de respeito: Marcelo Trekinho foi campeão brasileiro, Marcos Sifu é um dos maiores especialistas em aéreo do mundo. Os moleques e cascudos dos anos 80 envelheceram, mas não largaram o Leblon. A eles, juntaram-se todas as gerações que vieram em sequência. Sim, o pico está mais cheio. Às vezes até desconfortável. E ainda sofre com eventuais descargas irresponsáveis de esgoto em cima dos surfistas.

Mas o prazer de envelhecer no quintal de casa, no cenário preferido de sua vida, supera qualquer coisa. Ir surfar a pé ou de bicicleta, encontrar todo mundo pelo caminho, jogar conversa fora entre uma onda e outra, acertar a manobra só porque você conhece de olhos vendados a curva que a onda faz ao quebrar, perceber a diferença sutil dos tons de azul do céu e as sombras do Morro Dois Irmãos, acertar o horário de migração dos biguás e, claro, passar a vida sobre uma prancha, perto de casa: são presentes que só um quintal pode dar.

* Coluna Leitura de Onda, publicada no site Waves no dia 25/05/2010

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Compre Saquarema

Compre Saquarema, compre Saquarema...*

Era só mais uma visita de rotina, para saber das novidades oficiais da associação manda-chuva do surfe profissional. Entrei no site da ASP na sexta-feira certo de que veria, entre as notícias de destaque da página principal, as ondas fabulosas do WQS de Saquarema. Horas antes, eu tinha aberto uma batelada de e-mails com fotos alucinantes e notícias frescas do evento.

A despeito de ser um evento com mais surfistas caseiros que grandes estrelas mundiais, estavam lá alguns nomes importantes no mundo da própria ASP: o garoto prodígio do Havaí John John Florence, o vencedor de Trestles, Gable King e, claro, o quarto do mundo Jadson André. Aliás, a ASP não pode esquecer que o cara é o quarto do mundo.

Ah, as ondas. John John disse que lembravam um pouco as do Havaí. Jadson disse que estava difícil lá dentro, mas parecia bonito de fora. Esta é a chave do sucesso, desde o Coliseu de Roma. Da areia, o bom fotógrafo Daniel Smorigo registrou imagens de primeira de um swell que variou entre dois metros e um metrinho em Itaúna, sempre com linhas bonitas.

Então, depois de ler e ver isso tudo, abri o site da ASP. Lá vi notícias sobre um insosso Pro Júnior feminino em Les Bourdaines, na França, e um similar masculino em Manu Bay, na Nova Zelândia. Nos dois eventos, ondas risíveis. Fui na setinha do site – onde é possível passar de uma notícia para a outra. Nada de WQS em Saquarema. Nenhuma bomba de Itaúna.

Postam bateladas de Pro Junior e não dão uma linha de um evento importante no Brasil? A primeira reação, coisa de jornalista, foi mandar um e-mail para o gerente de mídia da entidade. No texto, contei o que tinha visto, e usei como isca o John John, que além de excelente surfista, é aposta certa da ASP como o nome havaiano dos próximos anos.

Até então, a melhor foto era dele. Escrevi: “Recomendo que a associação publique alguma coisa. Apesar de o evento estar sendo realizado no Brasil, as ondas estão incríveis”, disse, com um gota de ironia no canto da boca. O gerente de mídia da ASP Internacional me respondeu prontamente, dizendo que estava havendo algum problema e que iria resolver isso.

Eu iria ainda mais longe com o texto se soubesse – como soube mais tarde – que os assessores do evento e da ASP América Latina, ambos excelentes profissionais, vinham enviando textos em inglês e uma fartura de fotos de ação para a matriz da ASP.
Bom, não sei se foi a causa, mas, no dia seguinte, o Coca-Cola WQS em Saquarema estava estampado no site da ASP. A foto, claro, era do John John, num assustador ataque de backside. Tá bom, o surfista era havaiano. Mas a onda e o evento, respeitáveis, eram brasileiros.

Sem querer desmerecer o trabalho especialmente determinante das duas assessorias, que produziram conteúdo de enorme qualidade todos os dias, a insistência de um jornalista inconformado pode ter ajudado um pouco. Uma força extra nunca é demais.
É como o bem-sucedido anúncio do chocolate que apelava para a hipnose pela repetição. Só que, na prateleira, estão o pico e o evento: “compre Saquarema, compre Saquarema...”

Onde passa um boi brasileiro, passa a boiada. A ASP reproduziu notícias de Saquarema até o fim do evento, quando deu Willian Cardoso na cabeça, em final contra o amigo Marco Polo.

Desta vez, a vitória brasileira foi ainda maior. Venceu a cidade de Saquarema, grande palco do surfe brasileiro, que voltou a mostrar a sua força para a ASP. E venceram, mais uma vez, os organizadores do evento, pelo esforço de bancar, apesar dos possíveis obstáculos logísticos, um evento do circuito mundial numa das melhores ondas do Brasil.

* Coluna publicada no site Waves no dia 18/05/2010

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A vingança dos mortais

A vingança dos mortais*

Lower Trestles estava apinhada de novas e velhas estrelas em Lower Trestles, mas quem levou a etapa, que virou uma das mais cobiçadas do circuito de acesso com o novo corte no ranking, foi o azarão Gabe Kling, dono de um surfe correto, no trilho certo e com carving definido.

A vitória de Kling é um alento aos surfistas mortais, comuns, que ainda não compraram bilhete para o trem da nova ordem mundial, onde só entram os mutantes capazes de inventar o novo.

Aéreos reverses, alley-oops, rodeo-clowns e outras invenções quase circenses são como armas de fogo de maior calibre, capazes de um estrago bem maior em ondas – e, por tabela, na papeleta dos juízes. Mas, numa guerra, o cara tem que saber usar a munição na hora certa e sempre acertar o alvo. Do contrário, corre o risco de ser atingido por uma pedra lançada de forma certeira de uma atiradeira medieval e ficar pelo caminho.

As ondas fáceis de Lower Trestles parecem um campo de treino perfeito para o repertório progressivo que certamente vai dominar a segunda década do século XXI, mas a aparência pode enganar o surfista mais afoito. A qualidade daquela parede também favorece os arcos mais suaves, que não fazem o surfista perder velocidade. Kling tirou vantagem disso.

Nas fases das baterias de quatro, o campeão não havia conquistado sequer uma vitória. Passara quase sempre sem brilho, em segundo. O turning point de sua história no evento rolou nas quarta-de-final, quando, mesmo sendo um surfista com armas conhecidas, atropelou o exterminador do futuro Jordy Smith, por um placar de respeito: 16.50 x 15.77. Depois, passou pelo tricampeão mundial Andy Irons e, na final, não tomou conhecimento de Chris Davidson, sempre com um surfe correto, nas melhores ondas, fazendo manobras na hora certa.

(Uma nota rápida sobre Irons: o único surfista da história a desmontar a fortaleza psicológica de Kelly Slater deu os primeiros sinais contundentes de recuperação em Trestles. Nas quartas-de-final contra CJ, foi o surfista insinuante, dono de linhas precisas e extremamente moderno que encantou o circuito mundial anos atrás. Fez duas notas superiores a nove. Deu esperança a quem torce pela sua recuperação de uma performance melhor em Jeffrey´s Bay.)

O surfe progressivo sofreu abalos também na categoria júnior do evento. Gabriel Medina, dono de algumas das armas mais letais do mundo, ficou em último nas quartas-de-final da categoria Júnior fazendo 15,27 em suas duas melhores ondas.
Noves fora uma possível falha de julgamento de sua melhor onda – denunciada pelo próprio comentarista no vídeo on-demand do evento – a derrota indica que o futuro será de notas altas o tempo todo. E nem adianta só tirar da cartola um Superman ou coisa parecida.

Prova disso aconteceu com Josh Kerr, nas quartas-de-final do evento principal. Ele acertou uma manobra futurista de skate street na onda, mas não deu continuidade. Saiu da linha, perdeu fluidez e, por isso, não ganhou a nota que precisava para virar em cima de Jordy Smith.

Adriano de Souza foi, como quase sempre, o melhor do Brasil. Se a ASP fosse uma escola, Mineiro seria um dos melhores alunos, um clássico CDF. Os juízes pedem carving na cavada e durante a manobra, ele executa. Manobras aéreas, em dia. Reverses podem ser notados em quase todas as ondas. Velocidade, ele tem de sobra. Até as ondas tubulares o garoto dominou.

Então, o que falta para a glória? Aparentemente nada. Mas, fosse eu um amigo de escola, o colega vagabundo que todos já tiveram, diria sem medo ao Mineiro: relaxe, parceiro!

Tenho observado no surfe de Adriano uma carga excessiva de compromisso com o correto, com o esperado pela ASP. É como se ele tivesse na cabeça a rotina de manobras que vai executar antes de entrar na água.

Antes que me entendam mal: ele está no topo, surfando muito. Só falta a cereja no bolo.Os mesmos juízes que exigem as manobras x, y e z se encantam pelo imponderável, pela criatividade, pela explosão pura de talento que torna o esporte mágico. Eles são como nós.

E Adriano tem, é claro, todas as ferramentas para provocar esse encantamento neles.
Basta relaxar só um pouco.

* Coluna Leitura de Onda, publicada no site Waves no dia 11/05/2010

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O milagre de Jadson

O milagre de Jadson*

Quando Jadson nasceu, Slater já era maior de idade, e estava prestes a entrar no tour.

Do alto de seus 38 anos e nove títulos mundiais, o americano deve ter engolido em seco ao ver um garoto de 20 anos, o mais novo surfista da elite, voando limpo para impressionar juízes e tirar de suas mãos o caneco da etapa de Imbituba. Por um momento, dentro d´água, pode ter passado pela cabeça do americano a aterrorizante ideia da passagem de bastão.

A despeito de ainda ser muito cedo para a tal troca de guarda, sobretudo com Teahupoo e Pipeline pela frente, em Imbituba o potiguar Jadson André tomou o bastão do americano. Na marra, nos reverses, no talento. Quando o swell encaixou no fundo das esquerdas, todos na praia suspeitaram – até o próprio Jadson - que o milagre da vitória brasileira, que não vinha de 1998, poderia acontecer em 2010, pelos pés do goofy mais talentoso que nossa terrinha produziu em muitos anos.

Jadson é cheio de sonhos, como todo garoto que se preze. Quando saiu da água, soltou para o assessor de imprensa oficial do evento: “é um milagre”. A diferença é que o potiguar acredita em sonhos e milagres e, mais que isso, faz por onde realizá-los. Apesar da idade – nasceu no dia 13 de março de 1990 – é um atleta maduro, consciente de suas virtudes e limitações.

Em Imbituba, ele mostrou de uma só vez uma pá de atributos indispensáveis a um campeão, além, é claro, do talento. Para vencer na elite e, mais que isso, para ganhar o respeito de seus pares, o pré-requisito básico é a regularidade. Não adianta, por exemplo, fazer 17 pontos numa baterias dos sonhos e, na fase seguinte, perder numa soma inferior a dez.

Bede Durbidge é um mestre nesse quesito – não à toa, terminou os últimos dois anos entre os três primeiros. Em Imbituba, Jadson perdeu quando podia perder, para Neco Padaratz, na primeira fase. A partir da repescagem até a final, em seis baterias, só fez placares superiores a 14 pontos – o que daria uma média de sete por onda num mar irregular.

Jadson ganhou também por ser moderno. O potiguar reza com afinco na nova cartilha da ASP, que valoriza a sucessão de manobras aéreas, progressivas. Foi tudo o que o garoto fez durante todo o evento: rodar, voar e bater forte, com a ajuda luxuosa do foguete feito pelo Ricardo Martins. A modernidade fez diferença nas quartas, contra o taitiano Michel Bourez. Na luta das pauladas do século XX contra os reverses do século XXI, venceu o mais novo.

O cara é também bom de virada. Apesar de seus 20 anos, o potiguar mostrou uma capacidade de reação invejável até por veteranos. Na semifinal contra o sempre queridinho do palanque Dane Reynolds, ficou em desvantagem no minuto final, mas teve caixa para reagir com uma onda executada de maneira perfeita, que valeu nove na opinião dos juízes.

A virada quase na regressiva foi a única forma de barrar Dane. Jadson fez um high score e não deu tempo de o americano voltar para o outside. Dane anda tão em alta com os juízes por conta de sua linha moderna que até as ondas regulares do americano valem ouro. Um perigo.

Na final contra a estrela maior do esporte, o potiguar mostrou uma das maiores virtudes no mundo cão das competições: não reverenciar os próprios ídolos. Pelo contrário, enfrentá-los. Confesso que nos últimos anos vinha sentindo um embrulho na barriga cada vez que Adriano de Souza perdia para Slater e saía da água com um olhar sereno, convencido de que tinha feito um bom papel e de que a derrota era uma contingência de competir contra Slater.

Isso me incomodava ainda mais pelo fato de Mineiro ser um surfista fascinante, capaz de ganhar do americano a qualquer momento – como acabou fazendo, mais tarde. O comportamento dele me chamou atenção especialmente na etapa de Imbituba do ano passado, quando chegou a comemorar o vice para o americano.

Na minha terra, quem quer ser campeão não se conforma com derrota. Adriano tem surfe para sonhar com um título mundial e, talvez, para ele, as derrotas serenas sejam uma estratégia para ganhar na hora certa, sem o nove vezes campeão por perto.

Mas Jadson não quis esperar a aposentadoria do americano. Colocou-o no bolso em sua primeira final, em casa, no ano de estreia no tour, para desespero do establishment.

O próprio Slater, no meio da etapa de Imbituba, dava sinais de preocupação com a molecada que atropelava as ondas. Uma repórter do Sportv perguntou ao americano que conselho ele daria aos novatos do tour. “Fiquem fora do meu caminho”, deixou escapar Slater, para depois dar um sorriso e, rindo, dizer que estava brincando. Será?

Pelas declarações que deu depois da final, num tom de mau perdedor, o americano estava mais incomodado que nunca. Nem a liderança do ranking do WT depois de quase dois anos longe do topo fez com que ele reconhecesse o talento do brasileiro:

“Eu não perdi para um Mick, um Joel ou um Jordy, que são provavelmente ameaças maiores em termos de título. A vitória de Jadson hoje é algo que provavelmente ele vai se lembrar para o resto de sua vida”, disse Slater. Qualquer semelhança com a frase dita à Teco Padaratz anos atrás, depois da vitória do catarinense sobre o americano na França, não é mera coincidência.

Na sequência, Slater deixou claro que Jadson só é um adversário em ondas como a do Brasil. “Nessas condições, será sempre duro batê-lo”, disse, desafiando o brasileiro: “Nós vamos ver se ele consegue igualar as performances em locais como Teahupoo e Pipeline.”

A frase é infeliz. Ninguém espera que Jadson vença nesses picos em seu ano de estreia. Dane e Jordy até hoje não arrumaram nada nas ondas mais pesadas do tour e contam com o respeito de Slater. E, se o problema é o da bandeira brasileira, a última vitória do americano em Teahupoo foi em 2005. Três anos depois, um brasileiro chamado Bruno Santos, que nem sequer corre o tour, atropelou os tops e faturou o título.

A vitória do potiguar vale ser creditada também ao Pinga, manager brasileiro da Oakley. Aliás, o cara vive um momento especial. Tem, em sua equipe, dois top 10 jovens e com potencial de disputar título num futuro próximo: Jadson e Mineiro. E o melhor: eles se dão bem.

A festa pela vitória brasileira ofuscou o drama de Mineiro nas oitavas-de-final. Ele surfou muito bem, mas competia contra o midas das notas no World Tour, Dane Reynolds. O americano ganhou 8,3 com uma onda de uma manobra moderna e outras duas regulares. Mineiro surfou com potência, virou a rabeta, bateu forte e deu aéreo voltando agarrado na espuma - como Slater fez em Bells, quando ganhou 8,9. A maior nota do brasileiro foi um 6,5.

Consultei amigos numa lista de e-mails, e as opiniões variaram. Mas ficou o consenso que a margem da derrota foi maior que a real. A questão é que a margem, muitas vezes, define a bateria pela questão psicológica. Correr atrás de um 9 é mais difícil que de um 7.

O importante é que Adriano está no jogo. Para ganhar, o negócio é fazer como Jadson em Imbituba: ganhar por muito, escovar, não dar margem para erros de julgamento.

* Coluna Leitura de Onda, publicada no site Waves no dia 30/04/2010

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Um golpe silencioso?

Um golpe silencioso?*

Períodos de transição são naturalmente frágeis. Sempre. De um porto seguro ao outro, às vezes navios encaram um inesperado mar turbulento. Golpes de Estado costumam derrubar democracias justamente em mudança de governos. A maioria esmagadora dos acidentes aéreos aconteceu na saída ou no retorno ao solo – ou seja, na transição do solo para o ar. E, para não ir muito longe, o índice de crimes no Rio aumenta na troca de plantão da polícia.

Pois o surfe vive, este ano, o seu perigoso período de transição. É o momento em que uma onda surfada de modo convencional por um Taj Burrow, com arcos semelhantes aos executados 12 anos atrás, quando o australiano estreou no tour, pode ganhar a mesma pontuação que uma performance freak e absolutamente inovadora de um Dane Reynolds.

Para isso acontecer, basta haver uma certa boa vontade do palanque.

Também é o momento em que surfistas um dia considerados modernos – como Neco Padaratz – podem ser degolados pelos juízes. O sacrifício se dá em nome da tal transição, da mudança de paradigmas. A ASP decidiu que alguns surfistas representam o passado. Mas corre o risco de vê-los recusando o incômodo selo de ultrapassado com luta. Pode ser o caso de Neco.

As notas altas dos velhos ídolos podem ser justificadas pela manutenção prudente das verdades estabelecidas. Os melhores de sempre, por enquanto, continuam a ser os melhores. Já as notas baixas – justas ou não - entram na conta da inevitável chegada da nova ordem do surfe. Ai do surfista comum que não tiver, no seu repertório, alley oops e rodeo clowns.

Um discurso afinado que sai de várias fontes – até mesmo de nós, jornalistas – dá respaldo às decisões na transição. Taj é um exemplo claro disso. Na locução em inglês de Bells, comentaristas e locutores de peso repetiam como um mantra que o aussie estava na melhor forma da vida, surfando mais que nunca. Suas três vitórias consecutivas desde o fim do ano passado eram vendidas como naturais, e seria quase inevitável mais um trunfo.

Então, vamos às vitórias: em Pipe, ele venceu Kelly Slater numa final com ondas indignas para aquele palco. O segundo título foi em Burleigh Heads, no Breaka Burley Pro, que nada mais é que uma etapa WQS 4 estrelas. Na primeira parada do WT, na Gold Coast, ele reapareceu em forma, acertando seus bons arcos e rasgadas, com alguns aéreos. Nada de novo, apenas fazendo o certo bem feito, como tantos outros. Não foi o melhor surfista do evento - Jordy Smith e Dane se sobressaíram. Mas ganhou muitas notas acima de oito, entre as quais algumas exageradas. E acabou levantando mais um caneco.

Em Bells, ele parou na semifinal em Mick Fanning, mas o release da Billabong tratou de renovar o mantra. “Com um surfe mais afiado e rápido da sua carreira, Taj venceu o seu igualmente quente parceiro de equipe Andy Irons...”, escreveu o assessor.
Taj é um grande surfista, mas seu surfe não se transformou a ponto de apavorar um top 5. Tem as virtudes e defeitos de sempre. Taj está, sim, em excelente forma física. Mas há muitos outros bem preparados. Joel Parkinson, Slater e até Adrian Buchan, só para citar alguns, levaram seus preparadores físicos para a praia na Austrália.

Mas Neco também é um bom surfista, e seu surfe não regrediu a ponto de não poder mais competir contra um top 5. Suas rasgadas merecem uma revisão, sim, com mais uso de bordas enterradas. Talvez ele também precise variar mais o repertório. Mas o velho e bom power está intacto, assim como o espírito guerreiro.

As reclamações ostensivas de Neco durante baterias – vistas como desnecessárias – fazem algum sentido. Ele sentiu que virou bode expiatório da tal transição, quando as velhas regras valem para alguns e as novas, para outros. Sabe que, se não gritar agora, não grita mais.

Taj, que até hoje era líder do circuito mundial, perdeu nesta quarta-feira precocemente no round 3 da parada brasileira do tour. Foi derrotado sem direito a apelação, na última e melhor onda do sul-africano Travis Logie. Neco também caiu. Perderia de qualquer modo, mas viu novamente suas notas presas à bem amarrada corrente do ano de transição da ASP.

* Coluna Leitura de Onda, publicada no site Waves no dia 28/04/2010

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Velhos ídolos, novas manobras*

Velhos ídolos, novas manobras*

O trem do Dream Tour chega esta semana a Imbituba para a terceira parada do ano. A expectativa inicial de que a velha guarda do circuito seria atropelada pela nova geração parece, pelo menos até a próxima bateria, esquecida. Os experientes yodas do tour tiveram, nas primeiras etapas, o fantástico desprendimento de aprender com os mais garotos. Quando perceberam a virada do esporte, com novas manobras e com mais velocidade, deram um jeito de assimilar novos truques com o trem em movimento.

Trata-se de um dos atributos dos grandes do esporte: a capacidade de se reinventar, de se adaptar às novas exigências impostas pelo tempo.

Nas quartas-de-final de Bells, contra o sempre mutante Kelly Slater, até Bede Durbidge - que apesar de não estar entre os mais velhos (27 anos) tem uma linha mais clássica - resolveu tentar o novo. Atrás do placar na bateria, o australiano acelerou numa onda da série e voou absurdamente, no maior aéreo executado na competição. Chamaram a manobra de Big Air, aos berros, na locução ao vivo em inglês. Na volta, por muito pouco, não conseguiu manter o equilíbrio. A sensação foi de que Bede só não voltou por ter caído de uma altura realmente alta e sentido o impacto da queda da prancha na onda. Se tivesse completado a manobra, provavelmente teria parado Slater. E a história do evento seria outra.

Aliás, em tempo, antes de seguir com o assunto: o aéreo simplesmente não foi incluído no vídeo on demand do evento. Não tenho concordado com o critério de edição desses vídeos. Muitas vezes, ondas importantíssimas para a história das baterias são cortadas sumariamente.

Até Adrian “Ace” Buchan, que tem a idade de Bede, escreveu a respeito do assunto. Em seu valioso blog pessoal no site Surfline, assinou um bom texto intitulado “Desenvolvimento e Adaptação” sobre a capacidade de reinvenção dos velhos donos da bola.

Diz aí, Ace: “O que eu amo no circuito é que todo mundo está aprendendo com todo mundo. Definitivamente, não são apenas os estreantes e wildcards aprendendo com os suspeitos usuais. É claro que, por ser uma cara nova, você chega ao evento e frequentemente ganha lições dos caras que já estão no tour em estratégias de bateria e como abordar diferentes picos. Porém, mais interessantes são as aulas que os surfistas do status quo estão tendo com os caras que batem na porta. Pegue o exemplo da performance acima-do-lip de Mick Fanning contra Gabriel Medina (que tinha passado pelo ex-campeão mundial CJ com um atraente surfe progressivo). Mas olhe também para o alley-oop com rotação completa de Kelly para vencer o evento. Tornou-se uma verdade para todos nós: precisamos nos desenvolver e nos adaptar.”

Com tantas lições, a parada brasileira do Dream Tour, pelas condições geralmente propícias a manobras aéreas, tornou-se desde já uma sala de aula com o que há de mais moderno e progressivo no surfe mundial. A diferença é que os professores, neste caso, são os discípulos novatos. E os alunos mais aplicados,os velhos mestres. Quem ganha a melhor nota?

* Extraído da coluna Leitura de Onda, do site Waves, publicada no dia 21/04/2010

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Surfe Deluxe
Blog de notícias sobre as ondas e seus personagens, escrito com palavras salgadas pelo jornalista Tulio Brandão.
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