Surfe deluxe

Navio fantasma no Arpoador

28.11.07


Às vezes, o leste entra, esfria a água e, com o calor, tudo se condensa. A névoa cobre toda a orla, por um momento tira da paisagem até os hotéis espigões que tiram o sol da praia. E, no mar, faz o Cisne Branco, navio-símbolo da Marinha do Brasil, virar a ponta do Arpoador flutuando num mar invisível.

Foto de Carlos Secchin, parte da exposição sobre a natureza de Ipanema

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O pequeno buda do Taiti

O iluminado Tamaroa treina seus primeiros vôos no quintal de casa (foto: www.haumaru.com)


Siddhartha Gautama atingiu a iluminação quando meditava sob uma árvore Bodhi. Ali, mudou seu nome para "Buda", fundou uma religião e transformou o mundo. Era o cara certo, na hora certa, no lugar certo. Um iluminado. O surfe, mesmo na condição de mero prazer terreno, também tem os seus eleitos. Só que, em vez da elevação espiritual, a diferença do escolhido das ondas é o talento e as empresas que resolvem jogar holofotes em cima dele.

É o caso do taitiano Tamaroa McComb, 15 anos, que depois de faturar o "King of Groms" virou o iluminado da vez no mercado. Natural do Taiti - terra de ondas excessivas e escassos competidores de ponta -, ele é a nova estrela júnior da Billabong e, com isso, candidato natural a um título mundial. O primeiro ato da empresa foi mudar o garoto para a Gold Coast, na Austrália. A partir de agora, ele se divide entre a Polinésia Francesa e a Oceania. Tamaroa vai morar a passos de Superbank e Kirra, com o shaper Dylan Longbotton.

O roteiro do moleque já está traçado pela Billabong até o WCT: em dezembro, encara a temporada havaiana, onde vai se preparar para o Billabong Pro Junior; em 2008, entorta os aussies no circuito australiano júnior da ASP; em 2009, finalmente, tenta a sorte no WQS, em busca de uma vaga relâmpago no WCT.

Tamaroa disse o seguinte: "Eu realmente gosto de competir. É um jogo que eu gosto de vencer e de me manter vencendo." No que o gerente de marketing da Billabong e mestre da linha de onda Luke Egan emendou: "Tamaroa é um dos mais interessantes surfistas júnior e uma dos mais quentes promessas que o Taiti já teve. Queremos assegurar que ele tenha todas as oportunidades para confirmar seu fantástico potencial."
Esse filme nem sempre acaba bem. Não faltam casos de iluminados que se apagaram no caminho para o WCT. Mas assim, sob o holofote de uma gigante, não há dúvida: a estrada é mais curta.

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Rocinha inspira G. Love

27.11.07

O músico G. Love levou para Boston mais do que boas recordações da Rocinha. Num diário escrito no site Philadelphonic.com, ele conta que a visita à favela o inspirou a escrever a música "Peace, Love and Happiness".

Diz Love: "Está um frio de 3 graus, úmido e cheio de ventos. Estou de volta a Boston. Nesse momento, sinto falta daquela vibração brasileira! Tivemos uma turnê maravilhosa (...). No entanto, acho que o grande propósito da viagem foi fazer a nova música "Peace, Love and Happiness". Escrevi assim que voltei para o quarto, depois de tocar para as crianças do gueto.

Eu me senti elevado e ao mesmo tempo envergonhado quando fui à favela. Ver pessoas vivendo de forma miserável numa cidade gigante, rica... Jamais tinha visto tanta pobreza, a não ser na TV, onde tudo parece tão distante. Eu me senti elevado pelo espírito cheio de força e coragem da juventude. Estava envergonhado por, pessoalmente, não ter feito o suficiente, e também pelo nosso país e o país deles, que permiram que boa parte do mundo vivesse em tamanha pobreza. Fiquei impressionado ao descobrir que Jack Jonhson doou US$ 10 mil para construir a estrutura onde as crianças têm suas aulas teóricas de surfe. Também planejo ajudar com uma doação. O Brasil realmente me fez pensar sobre a situação do mundo. Tanta beleza e tanta dor..."

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Rocinha, Donavon e G Love

26.11.07

Esse entra para a seleta de shows sem preço: Donavon Frankenreiter e G. Love and Special Sauce na Rocinha, para alunos do Rocinha Surfe Escola. Um viva ao Bocão, idealizador do projeto, e ao povo da Surfrider Foundation - em especial ao Sérgio Lindemann.

Cias aéreas 1 x 0 Surfistas

23.11.07

O surfe perdeu a primeira batalha contra as companhias aéreas na guerra contra a taxa de pranchas. A Associação Brasileira de Surfe Profissional (Abrap) denunciou a irregularidade da cobrança ao Ministério Público estadual. O documento foi entregue ao promotor Rodrigo Terra, que decidiu desmembrá-lo por companhias. Dos cinco inquéritos distribuídos a colegas, quatro já foram indeferidos.

Prevaleceu, nos despachos, o argumento que o pedido dos surfistas não tem "relevância social". Em outras palavras, o MP não acredita que a classe de surfistas seja suficientemente representativa para ganhar a defesa de uma promotoria pública. Segue trecho de um dos despachos que indeferiu o pedido, assinado pela promotora Sabrina Carvalhal Vieira, da 2a. Promotoria de Tutela Coletiva:

"No caso em apreço, contudo, não se verifica a relevância social dos direitos em jogo. Não bastasse a quantidade de passageiros que embaram pranchas de surfe em aviões ser mínima diante da população e da própria coletividade que se utiliza deste meio de transporte, a associação que formulou a representação goza de legitimidade para, como substituta processual, defender os direitos dos interessados, sem necessidade de ação do MP (...)"

O advogado da Abrasp, Rocco Maranhão, explicou que a intenção inicial da entidade era um acordo com a companhia, mediado pelo Ministério Público, chamado de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O promotor Carlos Andrezano é o único, no MP estadual, que ainda não arquivou a denúncia. Segundo Rodrigo Terra, Andrezano teria mandado intimar companhias aéreas a dar explicações sobre a cobrança. Ainda não houve resposta. A Abrasp também denunciou as companhias ao MP federal, que ainda não se manifestou.

Maranhão diz que a Abrasp não entrou com uma ação civil pública porque teme perder, e, com isso, ser condenada a gastar um dinheiro que não tem. Mas, viva a democracia, entidade não é a única nessa história. Há outros defensores do direito dos surfistas, como o advogado Paulo Renato Lima de Magalhães Pinto, do Rio Grande do Sul. Pelas declarações em recente matéria da Fluir, ele parece ter elementos suficientes para brigar na Justiça contra a companhia aérea.

É hora de o surfe unir esforços pelo justo direito de surftrips sem taxas abusivas.

Matérias relacionadas:
- A taxa de prancha e a lei
- Pranchas sem asas

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Um chicano em Hollywood

21.11.07

Bobby ganha mais uma: WCT de Mundaka, Espanha, 2007 (ASP - Kelly Cestari)


O chicano Bobby Martinez, apesar da fúria por vitórias, jamais será um Kelly Slater. O obstáculo não é a evidente origem latina, com seu bigode eventual, mas sim o fato de ser apenas um excelente surfista, não um gênio. Ainda assim, na terra das oportunidades, há espaço para um filho de mexicanos que ganha sete vezes o título nacional americano e vence duas etapas do WCT em seu ano de estréia e outra este ano. A história de Martinez, 25 anos, será contada no cinema.

Segundo o site Hollywood Reporter, o projeto de um filme biográfico sobre o surfista está sendo tocado pela Participant Prods e pela State Street Pictures. Quem toca a empreitada é o ator e escritor Robert Munic. O cara quer contar a história de um chicano que saiu das gangues de rua de Santa Bárbara, na Califórnia, para vencer no mundo profissional do surfe. A Participant Prods produziu, entre outros, "Uma verdade incoveniente" e "Syriana".

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Gerry Lopez e a Folha

Folha de São Paulo, seção Dinheiro, página B3, sexta passada. No alto, matéria sobre o afastamento do economista Gervásio Rezende do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Da dobra para baixo, em meia página, um surfista e uma onda: Gerry Lopez, Jaws.

Mr. Pipeline, aos 59, é garoto-propaganda da gigante suíça Omega, que dita a hora no pulso dos ricos e na maior parte dos eventos esportivos do mundo. Os ponteiros do tempo parecem não fazer efeito em Lopez. Desde as coroas nos Pipe Masters 72 e 73, ele avançou e levou junto o seu esporte original. Hoje, prefere descansar com a família na neve de Oregon, brincando de snowboard com o filho mas, quando vai ao Havaí, ainda mostra ao mundo como atravessar tubos com classe. E aproveita para ganhar os dividendos das ondas.

O anúncio de meia página numa seção dedicada a números, estatísticas e economistas da Folha revela que a imagem do surfe está definitivamente dissociada dos velhos estigmas. O surfista é apresentado como herói bem-sucedido em páginas lidas por velhos defensores do mainstream. Falta saber o que você prefere: eventos e atletas milionários ou a manutenção do surfe como expressão viva da contracultura.

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A taxa de prancha e a lei

20.11.07

A line-up se movimenta para fazer valer a determinação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que proíbe, em vários trechos, a cobrança da taxa de prancha. Em pesquisa nos documentos disponíveis no site da Anac, encontrei uma norma que regulamenta a cobrança em viagens para o Pacífico e a Ásia. Mas, pelo que já foi discutido em blogs como o de Giovanni Mancuso e do Daniel e na matéria de Steven Allain na Fluir, há também normas contrárias à cobrança em vôos nacionais e internacionais.

Quanto mais o surfe discutir a taxa, menos vai pagar por ela.


O doc encontrado no site da Anac:

NORMA DE SERVIÇO AÉREO INTERNACIONAL
TÍTULO: Regulamentação de Bagagem por Peça
A S S U N T O
I – A presente NOSAI tem por finalidade aprovar a Regulamentação de Bagagem por Peça,
entre o Brasil e o Pacífico Sul, sendo publicada por ordem do Exmº Sr. Diretor-Geral.
TIPO: Condições de Transporte
DATA: 20 Set 00
VALIDADE: Prazo Indeterminado
REFERÊNCIA: Ofício nº 342/PL-3/
datado de 20 Set 00.

5) TAXAS PARA EQUIPAMENTO DE "SURF"
(Somente aplicável na Área 1 – Longo Curso – Área 31 – Pacífico Norte/Central e Área 123 – Ásia via o Atlântico).
- Equipamento para "Surf" consistindo de uma prancha para "Surf" tendo no máximo o comprimento de 274cm (108 polegadas), não poderá ser incluído na franquia de bagagem despachada do passageiro,
devendo ser taxados da seguinte maneira:
a) Será permitido o transporte de uma prancha de "SURF" mediante o pagamento de 50% da tarifa normal de excesso de bagagem aplicável ao itinerário.
b) Prancha(s) adicional(ais) será(ão) transportada(s) mediante o pagamento da tarifa normal de
excesso de bagagem aplicável ao itinerário.

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Pranchas sem asas

19.11.07

O surfista inglês está sem asas para buscar a onda perfeita. A British Airways (BA) - historicamente considerada "very friendly" - proibiu oficialmente, no último dia 6, o embarque de pranchas em seus aviões. A grita foi imediata: a federação inglesa de surfe, que usava a BA como companhia oficial, reclamou publicamente do banimento, tachando-o de preconceituoso. Para tentar anular a proibição, a entidade criou uma petição global com um abaixo-assinado que já tem quase nove mil assinaturas (assine aqui). A federação inglesa de surfe ganhou o apoio da mídia e até de políticos.

A companhia alega que os equipamentos são muito "grandes e complexos" e sugere aos surfistas a contratação de empresas de frete para fazer o transporte.O desespero é maior porque a Grã-Bretanha é uma ilha, e a BA, a maior companhia aérea do país. A empresa detém exclusividade em diversas rotas de destinos exóticos do mundo - entre os quais alguns procurados por surfistas.

Foram banidos também dos aviões da companhia equipamentos de esportes como vôo livre, pranchas de windsurfe, vela, caiaques, canoagem, entre outros.

A proibição merece mais que uma simples reflexão dos surfistas. Antes de proibir as pranchas, a British Airways era uma das três companhias de grande porte do mundo a liberar o equipamento sem custo no bagageiro dos aviões. Agora, restam cinco, todas em outros continentes: Air New Zealand, Malaysian Airlines, Qatar Airways, South African Airways e Qantas. As outras parecem querer distância de pranchas e surfistas.

Abaixo, uma pequena lista de companhias aéreas e suas respectivas taxas de prancha:

- Air France: de 20 a 80 euros, dependendo do destino
- Air New Zealand: GRATUITO (como parte do limite de duas bagagens)
- American Airlines: US$ 80 (por trecho, por capa com menos de 32 quilos - uma das subsidiárias, a American Eagle, não aceita pranchas a bordo)
- British Airways: PROIBIDO
- Continental: US$ 95 (um trecho, duas pranchas numa capa)
- Copa Airlines: US$ 50 (um trecho, por prancha)
- Delta: US$ 100 (um trecho, por prancha - varia de acordo com peso e tamanho)
- GOL: R$100 (um trecho, por prancha)
- Lan: US$ 60 (um trecho, para até três pranchas numa capa)
- Lufthansa: de 5 a 40 euros, por quilo (varia de acordo com o destino)
- Malaysian Airlines: GRATUITO
- South African Airways: GRATUITO
- TAM: US$ 75 (viagens internacionais)
- United: $75 (um trecho, por prancha)
- Varig: taxa de excesso de bagagem, de acordo com o peso da prancha
- Qatar Airways: GRATUITO
- Qantas: GRATUITO (como parte do limite de duas bagagens)

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A sobra do surfe

17.11.07

O surfe sempre se vendeu como um esporte ambientalmente limpo, apesar da montanha de resíduos químicos gerados na produção de seus equipamentos. Diante da febre eco friendly do mundo, o mercado se vê numa encruzilhada entre tecnologias menos agressivas à natureza - mais caras e algumas vezes ainda sem resultados satisfatórios - e as velhas, sujas e já consagradas técnicas de produção.

A maior carga de poluentes ainda vem da fabricação de pranchas. Segundo o shaper Joca Secco, da Wet Works, são gastos, por prancha, pelo método convencional mais antigo, em média, 2 quilos de fibra, 3,5 quilos de poriuletano e 4 quilos de resina. Dos 9,5 quilos utilizados, ficam no equipamento apenas pouco mais de 2,5 quilos. Ou seja, cerca de 73% de perda. Esse volume, em números absolutos, é enorme. Em matéria no último guia de pranchas da Fluir, Ricardo Macário nos conta que a Association Clean Shaper estima que 600 mil pranchas sejam produzidas anualmente no mundo com esse método. Conta feita, o surfe joga no meio ambiente, por ano, 4,2 mil toneladas de produtos altamente tóxicos. Isso sem contabilizar as pranchas usadas, que depois de um tempo também são descartadas.

Nesse mar de resíduos químicos, começam a surgir bons exemplos. A Wet Works de Joca, uma das mais bem estruturadas fábricas do Brasil, reduziu assustadoramente a perda de resina ao utilizar um sistema de secagem de pranchas através de raios ultra-violeta (UV).

"No processo convencional, se utiliza quatro quilos de resina para o aproveitamento de menos de um quilo. Com a tecnologia UV, conseguimos reduzir drasticamente o desperdício desse produto e ter uma perda de, no máximo, 10% do material. Além disso, estamos cadastrados na coleta especial de resíduos da Comlurb. Eles levam tudo", explicou Joca.

É um primeiro passo de um longo caminho ainda a percorrer.

As fábricas de prancha brasileiras, de um modo geral, ainda resistem às exigências estabelecidas na legislação ambiental, muito por falta de condições financeiras e um pouco pelo sucateamento dos órgãos fiscalizadores. Nos EUA, essa queda de braço com o braço verde do estado já gerou prejuízos ao surfe. A gigante Clark Foam fechou as portas em 2005 quando detinha 60% do mercado mundial de poliuretano. O motivo? Inadequação à legislação ambiental dos EUA.

Ainda não se sabe o que, de fato, é ação em busca da sustentabilidade e o que é puro marketing. A Magma Surf Wax, da California, acaba de lançar uma ecoparafina. Anunciam que a produção tem soluções "environmentally friendly" e que usam tecnologia para gerar consistentes tabletes com perdas mínimas. Em outras palavras, sobra pouco para o meio ambiente.

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Pacificadores de crowd

16.11.07

A Austrália vive o surfe há pelo menos quatro gerações, tem novo melhor do mundo, Mick Fanning, e ondas perfeitas a lamber sua costa desértica. Com tanto bônus, o pacote aussie tem também um defeitinho: o crowd muitas vezes raivoso, que gerou a expressão "surf rage".

É a terra dos Bra Boys, que pacificaram Maroubra Beach na base da porrada e forjaram a personalidade do casca-grossa Koby Abberton.

A explosão agressiva é tão grande que até guarda-vidas e nadadores já foram acusados de espancamento.

Mas, escolados na malandragem de praia, os caras estão tentando dar um jeito no clima ruim. Um curso realizado para guarda-vidas da Austrália vai ensinar métodos para resolver situações de tensão na praia. Vão tentar formar pacificadores de crowd.

Será que isso daria certo num Arpex de gala, em pleno domingão de sol?

Leia a notícia da Reuters aqui.

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Viagem de surfista: Indonésia (I)

15.11.07

"O Rodrigo vai pra Indonésia". Quem me contou foi um primo, o Marçal, numa manhã de sol quente e ondas mornas no Pontão do Leblon. Ele já tinha ido e sabia do meu velho desejo. Pela primeira vez na vida, tinha, ao mesmo tempo, uma janela de tempo e uns trocados pro sonho.

Rodrigo, designer e surfista do Leblon, queria ir além do óbvio: sonhava voltar à Ilha de Asu, em Sumatra. Descreveu com detalhes cada passeio nos salões verdes e vazios daquele pedaço de coral no fim do mundo. Deixou um DVD de sua experiência. E falou que ainda poderíamos passar alguns dias em Bali e Java.

Me convenceu, claro.

Corri para as referências. Tava numa velha Surfing, de 1992: "..Sumatra. Não é uma viagem fácil. Os percalços no caminho podem incluir doença, problemas com a língua, métodos de viagem rudimentares, tempo sujeito a tempestades violentíssimas, doença, contusão, doença (...). Mas há ondas melhores que as de G-land (na Ilha de Java, mais perto da civilização)".

Li também uma história no extenso guia Surfing Indonesia: "Numa viagem recente a Asu, ouvimos falar do caso de um surfista australiano que contraiu uma forma virulenta de malária cerebral durante um período de espera por swell. Ele foi levado num barco lento até a Baía de Lagundri, na Ilha de Nias e, depois de ser transportado de ônibus até Gunungsitoli (cidade do outro lado da ilha), morreu dos efeitos da malária, antes que pudesse ser transportado para uma cidade grande, com infra-estrutura médica."

O guia frisa que a história pode ser apenas uma lenda, mas diz que o viajante deve levá-la em consideração antes de embarcar. Como diz o povo local, "awas" (preste atenção). Como seguro morreu de velho, tomei algumas vacinas e muitos conselhos antes da viagem.

Chegar ao paraíso não é fácil: Rio-SP-Santiago-Auckland-Sydney-Denpasar. 36 horas, contando as escalas. Olhos negros e fuso horário torto, desembarcamos numa nuvem de incenso, odor doce. Dentro de uma bolha de vidro, fumantes repunham o tabaco perdido no vôo. Muitos australianos, vários europeus, uma penca de japoneses, alguns brasileiros. "Isto é Bali...", largou Rodrigo, num sorriso largo.

Na enorme placa, estampada na cara da fila da imigração, um contundente aviso: pena de morte para tráfico de drogas. Isso não é um aviso para mim. Pelo menos era o que eu imaginava.

Uma hora numa fila de imigração com mais de 100 cabeças não era nada. Afinal, Airport Left era logo ali. E Uluwatu tava mais perto que a Prainha do Leblon.

Entregamos os passaportes ao guarda que nos abriria as portas do paraíso. Cara feia daqui, sorriso irônico meia-boca dali e o puto manda:

- Tip? Tip? Tip?

Tip –noun
1. a small present of money given directly to someone for performing a service or menial task; gratuity: He gave the waiter a dollar as a tip.

Na língua oficial de Camões, gorjeta. Na nossa, gruja, jabaculê, changa, lambidela, molhadela, xixica.

Porra, eu é que vivo no país do tip. Olhei para o Rodrigo com a cara de quem não tava entendendo nada. E tinha entendido tudo. Peguei o passaporte e segui adiante.

Mais um obstáculo vencido, era hora de pegar as bagagens. Malas e pranchas? Extraviadas.

Caráio! Eu só pensava em Uluwatu. No idílico Ulu 32, nas ondas de orelha de caderno - iguais à de lá -, nos inúmeros sonhos de tubo sem fim.

No táxi, conheci o sorriso fácil do balinês. Povo pobre, afeito à alegria. A impressão não mudou no Hotel Dewbarata, em Kuta, onde ficaríamos por três dias, antes de viajar para Asu. Mas Uluwatu ainda estava mais longe que eu pensava.

Um funcionário da Quantas ligou avisando que as pranchas tinham ficado retidas na imigração. Agora, meu problema não era mais com a companhia aérea, e sim com os indonésios. Pouco antes, tinha escutado no hotel a história de uma australiana presa depois de supostamente plantarem pó na bagagem dela. Achacada, teria pago US$ 50 mil e voltado pobre para casa.

Porra, não tenho droga nem US$ 50 mil. Seria a cadeia meu destino? Longe da mulher, da filha e sem Ulu? Achei o cônsul do Brasil em Bali, que me falou, por telefone: "Não vá ao aeroporto sozinho. Posso te acompanhar daqui a duas horas. Me aguarde".

Esperei, tenso. Chegamos lá e, com uma carteirada de diplomata, minhas pranchas estavam liberadas, diante de guardas de imigração surpreendentemente gentis.

Tava seco por ondas. Molhei o corpo pela primeira vez em Uluwatu. Um fim de tarde com um metrinho de onda, sem muito crowd, que rendeu tubinhos e, claro, o velho sorriso de volta ao rosto. Agora sim, estávamos na Indonésia. Ainda deu para brincar uma manhã em Airport Left antes de acertar os preparativos para a Sumatra.

Asu era mais longe que imaginávamos. Era feriado da independência da Indonésia (Soekarno a proclamou em 17 de agosto de 1945) e não tinha vôo vago para viajar via Jacarta. Teríamos que sair do país, pousar em Kuala Lumpur (Malásia) e depois voltar para Medan (capital de Sumatra). E esse era só o início da viagem até o fim do mundo.

Na segunda parte, que será publicada em alguns dias, conto a aventura de Asu.

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Surfe Deluxe
Blog de notícias sobre as ondas e seus personagens, escrito com palavras salgadas pelo jornalista Tulio Brandão.
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